Série #NossosTalentos | Noite das EstrelasIan Spinetti, tenor

Dias 8 e 9 de outubro, na Sala São Paulo, o Mozarteum encerra sua programação de 2018 com os concertos Noite das Estrelas. Em cena, acompanhados da Orquestra Acadêmica Mozarteum Brasileiro, sob regência de seu maestro titular, Carlos Moreno, estarão 12 jovens solistas brasileiros com carreiras promissoras, que em algum momento foram impulsionadas pelo Mozarteum. Vale a pena conhecê-los: são novos talentos que despontam inclusive na cena internacional, comprovando a potência musical brasileira.

Ian Spinetti, tenor

Nascido em Brasília, o tenor Ian Spinetti teve seu talento reconhecido ao participar da 1ª academia Canto em Trancoso, em 2015. Até então, ele duvidava da possibilidade de seguir carreira no Brasil. Com bolsas de estudo do Mozarteum, ele seguiu adiante e hoje mora na cidade alemã de Augsburg, onde cursa bacharelado em canto erudito na Universidade Leopold-Mozart-Zentrum.

Nos concertos de Noite das Estrelas, Ian Spinetti cantará Dein Ist Mein Ganzes Herz (O meu coração é todo seu), da opereta O País dos Sorrisos, de Franz Lehár. Para ele, esta música significa o amor pelo idioma e a cultura da Alemanha.

Momento atual:

Estudo em uma universidade alemã de música, a Leopold-Mozart-Zentrum, que fica na cidade de Augsburg. Conheci meu atual professor de canto, Dominik Wortig, através do maestro Rolf Beck, da academia Canto em Trancoso. Desde agosto de 2016 eu moro feliz aqui. Juntamente com os estudos trabalho como cantor freelancer, fazendo o possível para me sustentar, sem prejudicar os estudos.

Expectativas:

“Quero estudar e fortalecer minha técnica vocal o máximo possível. Meu sonho sempre foi poder viver uma vida feliz cantando. Ou seja, ter dinheiro suficiente para uma vida simples enquanto faço só o que mais amo: cantar. Meu sonho é um dia alcançar o tal Metropolitan Opera, me apresentar neste e em outros grandes teatros. Mas o que mais preciso é simplesmente cantar.”

A descoberta do próprio talento:

“O canto surgiu em minha vida de um jeito muito sutil. Até fazer meus 18 anos eu simplesmente gostava de cantar enquanto escutava música, cantar debaixo do chuveiro, fazer música com colegas, mas sempre música popular. Sempre escutei que a música clássica proporcionaria mais técnica vocal. Como eu queria ser um bom cantor popular, pretendia realmente entender de técnica e desenvolver minha voz da melhor maneira. Quando comecei a estudar com meu grande e amado mestre, Francisco Frias, na Escola de Música de Brasília, já na minha primeira aula ele disse: ‘O seu material vocal é muito bom, acho que você deveria virar um cantor de ópera’. Quase enlouqueci com esta afirmação. Eu, cantor de ópera? Aí pensei em todas as vezes que me perguntei como algo assim seria possível enquanto escutava o Pavarotti cantando Nessun Dorma no youtube e fiquei muito feliz.”

De barítono a tenor:

Depois de admirar tanto os três tenores – Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti – claro que eu queria ser tenor. Mas ao fazer alguns exercícios vocais para meu professor Francisco Frias, ele me disse que eu era barítono. Fiquei um pouquinho triste mas, assim que comecei a mergulhar no mundo da ópera, escutar tudo de Monteverdi a Wagner e conhecer o repertório de barítono, simplesmente me apaixonei e entendi que música é música e que é maravilhosa independentemente do instrumento. Depois de um ano estudando como barítono, meu professor disse: ‘você na verdade é tenor, hora de trocar o repertório’. Aí entendi que ele só me falou que eu era barítono para que eu começasse a cantar sem desenvolver nenhum tipo de tensão desnecessária e para poder desenvolver primeiro o meio da voz, antes de começar a cantar agudos. Após algum tempo, meu mestre também me explicou o quão difícil é uma carreira de cantor para quem mora no Brasil, o quanto de dinheiro um cantor precisa para poder pagar um bom coach, além de aulas particulares extras, viagens para audições. Na prática, constatei que era tudo verdade. Tentar a carreira de cantor é extremamente desgastante e complicado, mas tenho certeza que é o que quero. É indescritível a sensação quando estou em frente ao público, transmitindo todas as minhas emoções e sensações através da minha voz.”

Incentivo familiar:

Nasci no dia 6 de abril de 1995 em Brasília. Meu pai, Bernardo, tinha uma banda quando jovem e sempre amou música. Hoje ele trabalha em uma lutheria em Brasília. Meu tio Eduardo é luthier e fez meu primeiro baixo elétrico, que mais tarde eu acabei trocando por canto. Todos nós, em minha família amamos música e sempre ouvíamos música juntos. Isto me influenciou. Não cheguei a ser incentivado a estudar música ou cantar. Mas, assim que decidi começar esse novo projeto de vida tive total apoio, principalmente de minha mãe, Luciana, e de meu avô, Leonardo. Eles compreenderam que a música é simplesmente o que eu mais amo na vida e viram o quanto eu sempre estive disposto para viver de arte. Recebo muita força para seguir em frente e continuar com meu sonho, minha família torce e acredita em mim. Não poderia ter nascido em família melhor.”

Entre o clássico e o romântico:

“Meu repertório favorito é sem dúvida o romântico. Entre o período clássico e o romântico estão situados meus compositores prediletos. Citando poucos, há Verdi e Puccini em ópera, os lieder de Schumann e Mahler e os oratórios de Mendelssohn e Rossini. São músicas que me emocionam mais profundamente e me despertam vontade de cantá-las. Mas todos os compositores são especiais.”

Cuidados com a voz:

“Quando não tenho concertos próximos eu não sou extremamente cuidadoso. Tento fazer a menor quantidade possível de atividades que podem forçar ou causar danos às minhas cordas vocais, sem deixar de viver a vida ao máximo. Um dos maiores cuidados é tentar não gritar. Recentemente comecei a fazer exercícios físicos diários só por causa de minha voz, pois sinto que quando estou em forma eu consigo cantar mais facilmente. Meu treino vocal é diário. Durante horas escuto música clássica, sempre coisas novas de estilos diferentes, para poder explorar e entender as diferentes nuances de diversos estilos. Durante a semana também escuto as gravações de minha última aula e tento colocar em prática tudo o que meu professor ensina. Quando não tenho aula, faço exercícios básicos para aquecimento e extensão vocal e estudo meu repertório gravando tudo para que possa escutar depois, observando onde cometi erros e onde posso melhorar.”

Artista lírico no Brasil:

“Os desafios começam, por exemplo, na situação do maior teatro da cidade onde nasci e morei, Brasília, que está fechado há muitos anos por ter risco de acidente, por não ter sido checado, e ninguém faz simplesmente nada porque dão importância a outras coisas. O Brasil basicamente não liga para seus musicistas e artistas, principalmente os que estão na música clássica. O desdém é tão grande que dá um aperto no coração de pensar. Não pretendo voltar para o Brasil, pois cantar sempre foi a paixão de minha vida e fazer isto em meu país é, infelizmente, muito mais difícil do que aqui na Europa ou, sendo mais preciso, na Alemanha.”

Comparando realidades:

“Moro na Alemanha há dois anos e dá para perceber a diferença com relação ao Brasil. Eu poderia fazer uma lista enorme de tudo, mas vou focar na parte artística. O que mais vivenciei aqui é o quanto um artista talentoso é levado a sério. E o quanto as pessoas se interessam e sabem a importância que a cultura tem. A Alemanha tem 83 casas de ópera sendo pagas com dinheiro público, 200 teatros que são mantidos com investimento privado. Sem contar o tanto de corais que se formam toda hora para participar de diversos projetos, além de festivais que contratam diferentes musicistas todos os anos. A quantidade de oportunidades é imensurável e a competição para conseguí-las também. Aqui o musicista se sente apoiado, esperançoso. Aqui um musicista pode viver uma vida digna como qualquer outro cidadão.”

Um grande momento:

“O maior momento para mim, a oportunidade que me abriu as portas até agora foi a bolsa de estudos que ganhei do Mozarteum e que me permitiu conhecer lugares, pessoas, coisas que eu nunca antes teria imaginado. Também foram momentos especiais quando fui aprovado na Escola de Música de Brasília pela primeira vez, e depois na universidade de música da cidade onde moro na Alemanha. Com certeza Noite das Estrelas se somará a esses momentos!”

Noite das Estrelas:

“Iniciativas como Noite das Estrelas são absolutamente imprescindíveis para dar visibilidade aos jovens talentos brasileiros que às vezes não têm oportunidades de fazer música de qualidade em um lugar como a Sala São Paulo. Eu nunca tive a chance de cantar como solista em um teatro ou uma grande sala de concerto no Brasil. Ou, sendo mais claro, nunca fui convidado para cantar como solista em um grande concerto no Brasil. O significado deste convite do Mozarteum, que me permitirá cantar com colegas que me deixam orgulhoso de ser brasileiro, com uma orquestra excelente como a Orquestra Acadêmica Mozarteum Brasileiro, sob regência de um maestro renomado como o Carlos Moreno, é de extrema felicidade. Me deixa feliz por tudo o que fiz, pela ajuda de tantas pessoas amadas e o suporte de organizações como o Mozarteum e de profissionais incríveis, que me mostram ser possível seguir a carreira de cantor. Tenho certeza que os concertos Noite das Estrelas serão simplesmente incríveis. Vamos mostrar a qualidade dos músicos que o Brasil pode oferecer, sem muitos investimentos por parte do país.”

Música para ficar na memória:

“Em Noite das Estrelas eu vou cantar a música Dein ist mein ganzes Herz, do compositor Franz Lehár e no final, com todos os meus colegas, o Brindisi da ópera La Traviata de Verdi. A música de Lehár é, para mim, o começo de todo amor que cultivei pelo idioma e a cultura alemã. Foi a primeira música do repertório alemão pela qual eu me apaixonei à primeira “escuta”. É uma música de melodia muito simples, porém forte e marcante, que foi muito bem composta, feita para que fique gravada na memória de qualquer tipo de público que a escute!”

Experiência com o Mozarteum:

Sem o Mozarteum os últimos dois anos de minha vida teriam sido completamente diferentes e, com certeza, não de um jeito bom. O Mozarteum me proporcionou, de forma direta ou indireta, tudo o que tenho na minha vida hoje em dia. Colocou-me em contato com o maestro Rolf Beck, através da academia Canto em Trancoso. A partir daquele momento, quando ganhei a bolsa para ir para a Alemanha no começo de 2016, tudo começou a mudar. O Mozarteum também me ofereceu uma bolsa de nove meses no momento mais difícil que tive na Alemanha, quando eu já estava prestes a voltar para o Brasil por não ter mais dinheiro para me manter. Esta bolsa me permitiu fazer tudo o que era necessário para ter os pés no chão e poder seguir em frente. Sem isso eu seria obrigado a desistir de tudo.”

O impulso fundamental de Canto em Trancoso:

“Em 2015 soube por um colega que aconteceria, dentro de poucos meses, a primeira edição da academia Canto em Trancoso e que em apenas dois dias as inscrições estariam encerradas. Por ter nascido em Brasília, nunca tinha ouvido falar do Mozarteum. Resolvi tentar, gravei tudo nesses dois dias e, para minha surpresa, fui selecionado. No meu primeiro dia no Canto em Trancoso a pressão foi imensa. Havia excelentes cantores de todo o mundo, 50 por cento do coro brasileiro era de São Paulo e eu e o colega que me falou sobre a academia éramos os únicos de Brasília. Logo comecei a conhecer todos e vi que tudo era muito mais simples e amigável do que eu imaginava. No Canto em Trancoso tive minha primeira grande experiência musical, conheci cantores do mundo inteiro, conheci cantores incríveis do Brasil e vi que tudo era muito maior do que o meu pequeno mundo do canto em Brasília. Canto em Trancoso foi minha primeira experiência cantando em coral na minha vida, menos de dois anos depois de ter começado a estudar canto. Como era a primeira vez que eu cantava em um coral, foi tudo muito difícil para mim, mas quando estava nas aulas da professora Lucia Duchonová eu me sentia extremamente à vontade e podia mostrar tudo o que tinha aprendido até aquele momento, além de meu amor pelo canto. Depois do concerto final veio a minha surpresa: fui um dos selecionados para a bolsa que me levaria à Alemanha em 2016, para participar da Chorakademie Lübeck. Eu simplesmente não conseguia acreditar que tinha sido escolhido entre tantos colegas incríveis. Posso dizer que aquela noite foi um dos momentos mais felizes de minha vida. Acho que iniciativas como Canto em Trancoso não podem faltar. Academias como esta mostram, especialmente para cantores que não moram em São Paulo, quão grande é o mundo da música no Brasil e o quanto é possível seguir uma carreira como cantor, mesmo tendo nascido em um país que dá tão pouco apoio a seus musicistas e artistas.”