Vartan Bassil | Diretor e coreógrafo da companhia Flying Steps

Por Ana Ponzio

Sucesso internacional, a companhia alemã Flying Steps estreia no Brasil no 7º festival Música em Trancoso, dia 5 de março, com o espetáculo Red Bull Flying Bach — uma singular mistura de dança urbana e música clássica, concebida pelo diretor e coreógrafo do grupo, Vartan Bassil, em parceria com o diretor de ópera Christoph Hagel.

Desde sua estreia, em 2010, Red Bull Flying Bach já foi apresentado em mais de 40 países. Uma obra-prima clássica – a música O Cravo Bem Temperado, composta por Johann Sebastian Bach no século 18 – conduz o espetáculo, dançado por um grupo de bailarinos com virtuosismo e versatilidade incomuns. Em cena, a liberdade dá o tom: embora o breakdance seja a linguagem dominante, a dança contemporânea e mesmo o balé clássico também se integram à coreografia.

“Dança é liberdade!”, diz Vartan Bassil, que fundou a Flying Steps em 1993, junto com Kadir “Amigo” Memis, hoje voltado para a carreira independente.

Na entrevista a seguir, Vartan Bassil fala sobre o espetáculo, sobre a companhia Flying Steps, que está comemorando 25 anos em 2018, e sobre sua história de sucesso. Imigrante libanês, ele chegou ainda criança em Berlim, onde de início viveu com a família em um abrigo de refugiados, para mais tarde se consagrar como artista da dança urbana.

O que diferencia a Flying Steps como companhia de dança urbana – ou breakdance?

Vartan Bassil Flying Steps foi fundada em 1993. Ou seja, em 2018 celebramos nosso 25º aniversário. Uma loucura, não? Durante estes anos nós rodamos o mundo com nossos dois espetáculos, Red Bull Flying Bach e Flying Illusion. Foram mais de 40 países com mais de 650 mil espectadores. Fomos campeões mundiais de breakdance por quatro vezes e conquistamos vários prêmios, como o ECHO Classic Special Award e, mais recentemente, uma premiação cultural especial de um dos maiores jornais diários da Alemanha. Todas as nossas experiências significam muito para nós. Somos muito gratos por tudo e não vamos parar. Acho que uma de nossas marcas é a continuidade – continuar em cena, criando e surpreendendo com nossos espetáculos inovadores. No mundo inteiro.

Na Flying Steps cada bailarino é livre para encontrar seu próprio estilo. Qual a importância deste senso de liberdade para o desenvolvimento artístico do grupo?

Vartan Bassil – Liberdade tem um significado especial para mim. Eu tinha sete anos de idade quando, junto com minha família, deixei o Líbano durante a guerra. Fomos para Berlim e vivemos em um abrigo para refugiados. Na escola eu era bom em matemática e esportes, mas sempre tive dificuldades com a linguagem. Talvez isto tenha determinado minha aproximação com a dança. A capacidade de me comunicar de forma diferente me ajudou a ganhar certa atenção.

Por isso penso que dança sempre significa liberdade. Dança é liberdade! Quando você dança, você pode fazer o que quer e encontrar seu próprio jeito de se expressar. No elenco da Flying Steps cada dançarino mantém sua própria individualidade. Nós não temos somente B-Boys (*) entre nós. Há uma grande diversidade nas danças urbanas e, para mim, é importante representar todas – locking, popping, breakdancing, hip hop dance, mas também dança contemporânea e balé.

A apresentação no 7º festival Música em Trancoso será a estreia da Flying Steps no Brasil. O que o público brasileiro pode esperar?

Vartan Bassil – Ver um espetáculo que associa breakdance, dança contemporânea e a música clássica de Bach. Estou certo que Red Bull Flying Bach vai surpreender e impressionar o público. Nós estamos sempre trabalhando no espetáculo, para torná-lo cada vez melhor. No elenco que irá ao Brasil há novos dançarinos, que têm suas próprias maneiras de interpretar a música de Bach. Isto faz com que o espetáculo nunca seja o mesmo.

Claro, estamos muito animados em viajar para o Brasil pela primeira vez. Aguardamos ansiosamente nossa apresentação em Trancoso e esperamos ter oportunidade de conhecer pessoas e explorar a cultura local em nossos dias de folga.

Como surgiu a ideia de associar breakdance com este ícone da música clássica, O Cravo Bem Temperado, de Bach?

Vartan Bassil – Tudo começou quando eu tinha 22 anos. Naquela época, minha sogra tentava me levar a espetáculos clássicos, mas eu não gostava muito. Então eu percebi que era possível aproximar aquele mundo do breakdance. Imaginei substituir uma bailarina girando nas sapatilhas de ponta por alguém rodopiando sobre a própria cabeça. No início, todos me acharam louco. Mas quando levei a ideia para meus parceiros de longa data da Red Bull, eles disseram: “Boa ideia! Como podemos fazer com que ela aconteça?”. Para mim, o projeto começou a ganhar forma naquele momento.

Como foi a participação do diretor de ópera Christoph Hagel na criação de Red Bull Flying Bach e como se desenvolveu o processo criativo?

Vartan Bassil – Acho que foi em 2009 que entrei em contato com Christoph Hagel. Eu conhecia o trabalho dele e seus projetos cênicos de cruzamento de linguagens artísticas. Nós nos encontramos e eu expliquei a ele o que tinha em mente. Precisávamos de alguém que nos ajudasse a levar nossa ideia para o palco, mas também que tivesse capacidade de fazer a escolha musical certa para nós. Eu imaginei conectar breakdance com música clássica. Mas foi Christoph Hagel que teve a ideia de escolher O Cravo Bem Temperado, de Johann Sebastian Bach.

Durante o processo de criação, a coisa mais difícil foi entender a música e cada parte dela. Fizemos workshops para ouvir a música inúmeras vezes e estudar a partitura. Nós literalmente fizemos de tudo para compreender a música. Só a partir deste conhecimento nos sentimos capazes de começar a coreografia.

Como coreógrafo, o que você costuma explorar e como a criação artística acontece?

Vartan Bassil – Minha cabeça está sempre ligada em possibilidades artísticas. Muitas coisas que experimento no dia a dia podem ter um impacto nos espetáculos ou nos conceitos criativos. Se estou dirigindo meu carro até o escritório, ouvindo alguma música inspiradora, visitando uma exposição de arte, lendo jornal, vendo um espetáculo, falando com dançarinos, parceiros, amigos ou meus filhos, tudo deve ser levado em conta. Ideias estão em todos os lugares e você precisa lembrar delas quando inicia um novo projeto.

A cultura do hip hop, à qual pertence o breakdance, nasceu na década de 1970 nos Estados Unidos, nas comunidades afro e latinas e hoje é uma expressão multinacional. Por que o hip hop tem este poder de comunicação?

Vartan Bassil – Na Alemanha, o hip hop chegou como uma cultura que nos permitia expressar a nós mesmos, de diferentes formas: rap, grafite, breaking, DJ. Lidar com o hip hop significava não ter barreiras. Foi uma das razões por que comecei a dançar. Acho que muitos outros sentiam da mesma forma naquela época. Acima de tudo, havia um certo sentimento de pertencimento. De repente você não estava mais sozinho porque outros também estavam interessados nas mesmas coisas. Passados 20 anos, tudo isso prevalece. Continuamos nos sentindo ligados a uma cena, a um tipo especial de pessoa. O hip hop é uma comunidade.

Pode-se afirmar que o breakdance está mais forte do que nunca?

Vartan Bassil – Sim e isto é muito bom. Quando levava minha filha para o jardim de infância, tempos atrás, todos olhavam para mim como se dissessem: “este cara é um breakdancer? O que isto significa? É um trabalho de verdade?”. Hoje, quando levo meu filho para a escola as opiniões já são bem diferentes porque breakdance virou moda, uma tendência da atualidade. Nós encontramos nosso lugar no mundo moderno, breakdance agora é apresentado em grandes teatros e casas de ópera de todo o mundo. As pessoas pagam para ver nossos espetáculos. Houve um grande progresso.

Acho que as pessoas enxergam cada vez mais o que significa ser um dançarino, o quanto de trabalho há nesta profissão, o tanto de tempo necessário para se tornar reconhecido. Valorizam mais nossas conquistas.

Como o hip hop se firmou na Alemanha?

Vartan Bassil – Quando chegou à Alemanha, muitos anos atrás, a cultura hip hop se desenvolveu lentamente. No começo era difícil conseguir a música, roupas ou vídeos de filmes como Wild Style ou Beat Street (**). Isto sem falar na situação do outro lado do muro de Berlim, onde eles tinham menos chances do que nós.

Mas o hip hop encontrou seu caminho na Alemanha. Eu poderia afirmar que a cena hip hop de hoje é a maior cena musical que temos. Há muitos músicos de rap e muitos e diferentes eventos de batalhas de dança. Alguns dos melhores bailarinos de dança urbana do mundo são da Alemanha – e do elenco da Flying Steps.

O que breakdance significa para você?

Vartan Bassil – Breakdance é minha vida. É o que eu queria ser, o que eu lutei para ser.

Flying Steps tem uma academia em Berlim desde 2007, que ensina breakdance para 1.200 estudantes. Qual a proposta desta escola?

Vartan Bassil – Promover e aprimorar talentos é muito importante para a Flying Steps. Por isso abrimos a Academia Flying Steps. É a maior escola de dança urbana da Alemanha.

Quais os próximos planos da Flying Steps?

Vartan Bassil – 2018 é um ano muito especial para nós. Como já mencionei, estamos celebrando nosso 25º aniversário. Por isso, voltamos a nos concentrar onde começamos: Berlim. Durante quatro semanas vamos apresentar nosso espetáculo Flying Illusion em Berlim. Estamos muito animados com isso porque nunca fizemos uma temporada tão longa em um mesmo lugar. Também estamos trabalhando em uma nova produção, que deve iniciar turnê na próxima primavera.

Por que a marca Red Bull está associada ao título do espetáculo Red Bull Flying Bach?

Vartan Bassil – Red Bull é um de nossos maiores parceiros. Sempre nos deu apoio, sempre acreditou em nosso trabalho, desde quando participávamos de campeonatos mundiais de breakdance até a realização de uma produção como Flying Bach.

Palco, bastidores, cotidiano: saiba mais sobre Flying Steps neste documentário produzido pela companhia.

(*) B-Boy (B-Girl para as mulheres): nome de quem pratica o break, dança que representa um dos três elementos do hip hop (os outros dois são o rap e o grafite). O termo e a abreviação de Break Boying foi criado na década de 1970 no Bronx, bairro de afro descendentes e hispânicos de Nova York (EUA), pelo DJ Kool Herc.
(**) Wild Style: foi o primeiro filme de hip hop da história. Dirigido por Charlie Ahearn, estreou nos cinemas em 1983. Retrata a virada cultural do início da década de 1980 em Nova York. Beat Street (A Loucura do Ritmo, no título brasileiro) é o filme lançado em 1984 que deu sequência a Wild Style.