Pretty Yende
Pretty Yende: Entrevista exclusiva
Por Ana Francisca Ponzio
Costuma-se dizer que a carreira da soprano sul-africana Pretty Yende é um conto de fadas moderno. Nascida em 1985 em Piet Retief, uma pequena e remota cidade da África do Sul, ela frequentou coros de igreja com a família até conhecer ópera aos 16 anos, através de um comercial de televisão. Imediatamente ela abandonou os planos de estudar contabilidade para seguir a carreira que lhe deu fama com enorme velocidade.
Por meio de uma bolsa de estudos, Pretty Yende ingressou na Universidade de Música de Cidade do Cabo, onde contou com a orientação da professora Virginia Davids, primeira mulher negra a se apresentar em palcos de ópera durante a época do apartheid na África do Sul.
Logo o talento de Pretty Yende desabrochou. Aos 24 anos, ela triunfou no importante concurso internacional Hans Gabor Belvedere, ao conquistar o primeiro prêmio em todas as categorias. O mesmo aconteceu dois anos depois, na Operalia Competition, fundada pelo tenor espanhol Plácido Domingo.
Seu sucesso logo a conduziu ao Teatro alla Scala, de Milão, onde estreou em 2010. Três anos depois, se apresentou pela primeira vez no Metropolitan Opera House, de Nova York, que passou a requisitá-la frequentemente.
Hoje, Pretty Yende é estrela festejada nos principais teatros de ópera do mundo. Berlim, Los Angeles, Barcelona, Hamburgo, Paris, são alguns dos centros operísticos que se rendem à sua luminosa presença. No Metropolitan Opera House de Nova York ela estará de volta em janeiro de 2018, na temporada de L’Elisir d’Amore, de Donizetti.
Atualmente morando em Milão (Itália), Pretty Yende encarna a estrela contemporânea de ópera. Assídua em redes sociais, criou as hashtags #prettyjourney para difundir as realizações de sua carreira, e #prettyarmy, que se refere às pessoas que a admiram e apoiam.
Na entrevista a seguir, ela fala sobre sua meteórica carreira e diz se sentir abençoada pela voz que possui e pelo sucesso alcançado. Disposta a sensibilizar o público de sua geração, acha que a ópera tem que ser cultura dominante na cena contemporânea.
Dias 8 e 9 de agosto, Pretty Yende estreia no Brasil ao lado de outra celebridade atual, o tenor mexicano Javier Camarena. Acompanhados pelo pianista cubano Angel Rodriguez, se apresentam na Sala São Paulo, na programação de 2017 do Mozarteum Brasileiro.
O que você espera de sua estreia brasileira?
Pretty Yende – Estou muito animada e mais ainda porque a estreia no Brasil será ao lado de meu colega e grande amigo Javier Camarena. Estamos muito empolgados com o programa e nossa expectativa é realizar apresentações inesquecíveis.
Por que você decidiu ser uma cantora lírica?
Pretty Yende – Eu ouvi ópera pela primeira vez em 2001. Estava em casa, assistindo televisão com minha família, em uma noite após o jantar. Foi quando vi uma propaganda da British Airways, que mostrava ao fundo o dueto da ópera Lakmé, de Léo Delibes. Algo se iluminou para mim. Sem saber o que era ou se seria humanamente possível porque aquele canto me pareceu sobrenatural, procurei meu professor na escola e lhe perguntei o que era aquilo. Ele me disse: “Isto é ópera” – e eu lhe pedi que me ensinasse a cantar daquela forma.
O que significa possuir uma voz maravilhosa como a sua?
Pretty Yende – É uma imensa alegria e uma grande honra ter este dom maravilhoso e especial, que me enche de entusiasmo e gratidão.
Você ganhou reconhecimento muito rapidamente. Além do seu talento, o que foi determinante para impulsionar sua carreira?
Pretty Yende – É um grande privilégio desfrutar do talento que tenho, mas eu somente percebi que era a semente de uma fruta com muito trabalho, grandes sacrifícios, total dedicação e resistência para não desencorajar, além de sabedoria para orientar a carreira. Sou muito abençoada pela carreira que conquistei e por contar com pessoas que confiam em mim e me dão apoio para que eu continue aprendendo e desenvolvendo minha trajetória da melhor forma possível. Mas, junto das alegrias e desafios há muito trabalho e esforço contínuo pela excelência.
Quais são seus papéis favoritos?
Pretty Yende – Tenho me apresentado em papéis famosos pela beleza musical e que possuem grande significado histórico. Tem sido um grande privilégio e uma grande honra cantar Rossini, Donizetti e Bellini, especialmente porque as obras destes compositores estão entre as mais belas da história. É difícil apontar meus papéis preferidos, mas posso destacar o de Lucia de Lammermoor, de Donizetti, que me ensinou muito sobre o que significa ser uma cantora de ópera. Me estimulou muito a evolução vocal que esta obra me proporcionou e também a recepção calorosa obtida em apresentações na Ópera Estatal de Berlim, na Alemanha, e no Teatro da Ópera da Bastilha, na França. Em ambos as plateias me ovacionaram em pé. Foram momentos históricos para mim e aguardo ansiosamente pela próxima temporada desta ópera, no Metropolitan Opera House de Nova York.
Voz e corpo são uma unidade. Quais são seus cuidados cotidianos?
Pretty Yende – O corpo todo é um instrumento, somado ao espírito, por isso é preciso manter equilíbrio, saúde física e psicológica. Boa nutrição para o corpo e exercícios físicos são importantes para mim. Mas, mais do que isso, há a vida interior. A alma nunca deve ser ignorada – como uma prece cristã, que é muito importante na minha vida cotidiana.
Como você lida com a voz como instrumento musical?
Pretty Yende – A voz existe por si. Acredito que é quase uma parceira. Eu e ela temos que manter uma à outra feliz. Ela tem que me deixar ter uma vida para falar, estar com a família, comer um chocolate se eu quiser, e eu retribuo o que ela precisa e merece. Eu a ouço quando aprendo algum papel que não cai bem. Devo ter coragem e humildade para não continuar a aprender aquele papel particular porque pode não ser bom para mim naquele momento. Sim, a voz fala, ela está no comando e nós somos muito boas amigas.
Como você combina as habilidades de cantar e atuar e como desenvolve seus personagens?
Pretty Yende – Gosto muito de representar. Faz parte da jornada que me deu o luxo de realizar meu sonho de cantar e ser artista. Os personagens possuem várias camadas e proporcionam uma descoberta sem fim. O primeiro passo, claro, é aprender o roteiro, a história da época na qual a ópera foi concebida, o texto, não somente o meu mas também os dos outros personagens, a relação com a música, o que ela me comunica e finalmente como ela se torna depois de levar em conta todo este grande trabalho.
Você acha importante sensibilizar público jovem para a ópera? Como formar novas plateias?
Pretty Yende – Precisamos fazer da ópera uma cultura dominante, presente nas plataformas de mídia, para que o público jovem possa saber que não é somente para a elite ou para as pessoas mais velhas. Também é importante investir em educação, educação, educação, que é o princípio de tudo.
Qual seria seu conselho para um jovem que quer ser artista lírico?
Pretty Yende – Para quem quer ser um cantor ou cantora de ópera eu diria que é preciso estar bem preparado para ter muito comprometimento e dedicação, não desistir, nunca perder a esperança e fazer o impossível para alcançar seus desejos.
O que você ainda pretende realizar em sua carreira?
Pretty Yende – Minha expectativa é ver como minha carreira prosseguirá. Sou muito entusiasmada com tudo de bom que virá adiante.