Mischa Maisky
Entrevista com um dos maiores violoncelistas da atualidade, Mischa Maisky
Por Ana Francisca Ponzio
Mischa Maisky mora em Waterloo, cidade belga a cerca de 20 minutos da capital, Bruxelas. Ele havia acabado de chegar da Califórnia (EUA), onde se apresentou no SummerFest 2016 em agosto, quando concedeu esta entrevista por telefone.
Enfaticamente, disse que preparou um programa com músicas que simplesmente adora, para as apresentações que fará na Sala São Paulo, dias 13 e 14 de agosto, na Temporada de 2016 do Mozarteum.
Um dos maiores violoncelistas da atualidade, Mischa Maisky nasceu em Riga, capital da Letônia, em 10 de janeiro de 1948. Em 1962, ingressou no Conservatório de Leningrado, na Rússia, então chamada de União Soviética.
Três anos depois, quando estreou na Orquestra Filarmônica de Leningrado, o seu talento despertou tanta atenção que passaram a chamá-lo de “Rostropovich do futuro” – em analogia ao grande maestro e maior violoncelista do século 20, o russo Mstislav Rostropovich (1927-2007).
O sonho de estudar com Rostropovich se realizou em 1966. Maisky tinha ficado órfão de pai fazia pouco tempo e o mestre do violoncelo o acolheu como um filho, mais do que um aluno.
Mischa Maisky já tinha se mudado para Israel e conquistado prêmios de prestígio, quando estreou no Carnegie Hall de Nova York, com a Orquestra Sinfônica de Pittsburgh, em 1973. Foi quando ganhou de um admirador anônimo o violoncelo que toca até hoje.
Em 1974, com prestígio crescente, tornou-se aluno de outro músico lendário, o violoncelista ucraniano radicado nos Estados Unidos, Gregor Piatigorsky (1903-1976). Ter estudado com estas duas personalidades – Rostropovich e Piatigorsky – é distinção que, hoje, pertence somente a Mischa Maisky.
Sempre em tom apaixonado, na entrevista a seguir ele fala sobre estes dois mestres, a carreira, planos atuais, sobre sua parceria de 40 anos com a pianista argentina radicada na Suíça, Martha Argerich.
O que você destacaria sobre o programa que apresentará em São Paulo, com a orquestra Tel Aviv Soloists?
Micha Maisky – É um programa clássico, com músicas muito bonitas, que eu adoro. Toco somente peças que eu adoro e considero isto muito importante.
Quando toco, tem que ser o melhor das músicas, porque tento atingir não somente os ouvidos, mas também o cérebro e o coração das pessoas. Para que eu possa atingir seus corações, a música tem que vir de meu coração.
Tenho que estar apaixonado pela música no momento em que a toco.
Apresentarei programas diferentes em São Paulo. Incluem obras que estão entre as minhas favoritas, como a Sinfonia nº 1 – Clássica, de Prokofiev, e o Noturno para Violoncelo e Orquestrade Tchaikovsky. As demais, de Max Bruch, Mozart e Beethoven, também são lindas.
Espero que o público brasileiro goste destas músicas tanto quanto eu amo tocá-las.
Como você define seu repertório?
Mischa Maisky – Toco peças importantes do repertório para violoncelo porque há uma grande quantidade de obras escritas para este instrumento.
Não consigo tocar uma música só porque alguém me solicita. Tem que ser algo que toque meu coração. É desta maneira que escolho meu repertório.
Você acredita que a música representa um canal de aproximação entre as pessoas, uma possibilidade de romper barreiras?
Mischa Maisky – Certamente. A música é a melhor linguagem de comunicação universal. Ela não impõe limites ou fronteiras. Quando as pessoas me perguntam se toco música moderna eu digo que sim, lógico, eu toco Bach, porque considero moderna a música de cem anos atrás. Não há limitações, de tempo ou qualquer outra. É por isso que pessoas de diferentes backgrounds, tradições e culturas podem apreciar, curtir e se comunicar por meio da boa música clássica.
No começo de sua carreira, você era chamado de “Rostropovich do futuro”. Você costuma dizer que Rostropovich foi não apenas um maravilhoso professor, mas seu segundo pai. Sua formação também inclui estudos com outro grande violoncelista, Gregor Piatigorsky. Qual a importância dos dois em sua vida?
Mischa Maisky – Esta é uma pergunta muito importante, sempre digo que tenho muita sorte por ter tido o privilégio de estudar com Rostropovich e Piatigorsky. Ambos foram grandes violoncelistas, grandes músicos e mestres, dois tipos especiais de professores, diferentes do geral porque nunca abordavam o ensino do ponto de vista do instrumento, mas o oposto. Ou seja, do ponto de vista da música – e isto é muito diferente da maneira como os outros mestres ensinam.
Rostropovich é meu ídolo desde quando comecei a tocar violoncelo, ainda menino. Era meu sonho estudar com ele, um sonho que se tornou realidade. Ele foi uma pessoa muito especial para mim, não somente como músico, mas também em minha vida pessoal porque me deu todo o apoio após o falecimento de meu pai – particularmente porque um de seus sonhos era ter um filho.
Ele teve duas filhas, mas nunca teve um filho homem. Por isso, me tratava como se fosse meu pai. Ele mesmo me disse, na última vez que nos encontramos antes de sua morte, que eu era como um filho para ele, na época em que fui seu aluno.
Foi um relacionamento muito especial, muito próximo, muito diferente de uma relação entre um mestre e seu discípulo. Representou um período muito importante em minha vida.
Posso dizer o mesmo sobre os quatro meses em que estudei com Piatigorsky, porque também desenvolvi um relacionamento muito especial com ele. Foi um período que marcou o início de uma nova vida para mim, cheia de energia positiva.
Infelizmente, Piatigorsky estava com câncer por fumar cachimbo, já estava no fim da vida e sabia disso. Ele adorava falar russo. Para ele, foi a última chance de compartilhar uma vida incrível, pontuada por uma grande imaginação.
O que o levou a se envolver com música?
Mischa Maisky – Cresci em uma família de músicos, quando nasci já estava cercado por música. Minha irmã, dez anos mais velha que eu, tocava piano. Meu irmão, com seis anos a mais, tocava violino e também escrevia artigos sobre musicologia. Na infância, apesar de meus pais terem me matriculado em uma escola normal, eu descobri que queria tocar violoncelo aos oito anos de idade. Vivi uma história absolutamente romântica, andava pelas ruas em busca de lindos sons de violoncelo e ia me apaixonando. Provavelmente porque meu irmão, meu pai e minha irmã apreciavam uma tradição de trio familiar, que na realidade nunca se efetivou.
Deve ser por isso que sonhei em montar um trio familiar com meus filhos e felizmente isto tornou-se realidade, é um sonho que se realiza. Tenho tocado regularmente com minha filha, que é pianista, e começamos recentemente a tocar com meu filho mais velho, violinista, em um trio familiar, e isto é um presente muito especial.
Nunca me arrependi de ter escolhido a música como profissão. É muita sorte trabalhar com algo que nos sustenta e ao mesmo tempo nos proporciona alegria, permitindo que desfrutemos melhor a vida. Muitos clamam por isso, mas nem todos conseguem entender.
É ótimo poder compartilhar tudo o que você ama – a música – com milhares de pessoas e perceber o quanto apreciam sua satisfação. É uma dádiva incrível.
Por que você escolheu tocar violoncelo? O que este instrumento tem de diferente?
Mischa Maisky – Muitos dizem que o violoncelo é o instrumento cujo som é o mais próximo da voz humana. Para mim, a voz humana é o instrumento mais perfeito, pois não foi feito pela mão do homem e sim pela natureza. Sempre procuro aprender com grandes cantores do passado e do presente e tenho tentado tocar inúmeras obras escritas para voz. Na realidade, o violoncelo tem uma gama sonora maior que qualquer voz humana.
Você acredita na perfeição artística?
Mischa Maisky – Sempre digo que a perfeição é uma ilusão. Tentar atingi-la é como tentar atingir o horizonte. Quanto mais tentamos nos aproximar, mais ele se afasta. Isto não significa que não devemos tentar e chegar o mais próximo possível. A música é muito subjetiva, por isso temos formas diferentes de interpretar a mesma obra. Quando interpretamos uma peça musical importante, mesmo que inúmeras vezes, o alcance da perfeição é um processo para toda uma vida.
O que significa a apresentação ao vivo para você?
Mischa Maisky – Para mim, a música é a causa primeira da inspiração. Depois vem o público, as pessoas, a comunicação com a plateia. Acho a apresentação ao vivo completamente diferente e mais prazerosa do que a gravação em estúdio. É por esta razão que tento, sempre que possível, gravar concertos ao vivo, porque acredito ser impossível substituir o ambiente ao vivo pelo estúdio de gravação.
Aprecio muito tocar em concertos porque um vínculo muito forte se estabelece com os ouvintes. Sinto muita energia quando me apresento, é um momento em que recarrego minhas baterias. Os ouvintes proporcionam um retorno muito grande de energia.
Quando foi fabricado o violoncelo que você toca atualmente e o que ele significa para você?
Mischa Maisky – Toco um ótimo violoncelo italiano, fabricado por Domenico Montagnana em Veneza, cerca de 1720, que é o período de atuação de Bach. Gosto muito quando as pessoas falam sobre tocar Bach em instrumentos antigos. Em novembro completarei 43 anos tocando este violoncelo, é um relacionamento de toda uma vida, que nunca mudarei. Espero viver mais esta quantidade de tempo. Sou uma pessoa muito otimista. Digo também que tenho muita sorte por ter incluído este violoncelo em minha vida. Até certo ponto, foi o violoncelo que me achou e desde que iniciamos nosso relacionamento, nunca procurei por um instrumento melhor.
Quais são seus planos no momento?
Mischa Maisky – Sempre tenho novos projetos e ideias. Tenho seis filhos, os quatro primeiros tocam instrumentos, mas os meus dois últimos ainda estão crescendo. Quem sabe no futuro também queiram se dedicar à música? Já gravei música espanhola com minha filha mais velha, Lily, que toca piano.
Tenho uma sorte incrível de tocar há quatro décadas com Marta Argerich, que se tornou uma amiga muito próxima, é minha parceira mais importante em música de câmara. Nós nos apresentamos juntos regularmente, gravamos alguns discos, temos vários planos para o futuro, tocaremos por toda a Europa para celebrar os 40 anos de nossa amizade e espero ainda tocar muitas vezes com ela no futuro. Adoraria tocar com ela no Brasil.