Michael Lessky

Junge Philharmonie Wien: Tradição vienense somada à renovadora energia de jovens músicos

Por Ana Francisca Ponzio

Vem de Viena, um símbolo mundial da música, a orquestra que encerra a Temporada de 2015 do Mozarteum Brasileiro. Sob regência de Michael Lessky, seu maestro e fundador, a Junge Philharmonie Wien traz excelência musical aliada à juventude de seus integrantes. Nos dias 26 e 27 de outubro, na Sala São Paulo, esta consagrada orquestra apresenta um programa muito especial: a Abertura Waldmeister de Johann Strauss Jr., o Concerto para violino e orquestra “À Memória de um anjo”, de Alban Berg, e a Sinfonia nº 4 em sol menor, de Gustav Mahler.

Michael Lessky, em entrevista, fala tudo o que é preciso saber para desfrutar-se ao máximo as apresentações da Junge Philharmonie Wien.


 A Junge Philharmonie Wien apresentará um programa muito especial no Brasil, com obras de Johann Strauss Jr., Alban Berg e Gustav Mahler. O que o motivou na escolha deste programa?

Michael Lessky – Quando comecei a pensar no programa que seria apresentado no Brasil, minha primeira intenção foi mostrar a música estabelecida em Viena, a qual era e é importante para nossa vida musical hoje, na Europa, assim como em todo o mundo. De imediato pensei em Mahler, que abriu as portas do século 20.

 

E por que Alban Berg e Strauss? Quais as relações entre estes compositores e as obras do programa?

Lessky – Baseado na Sinfonia nº 4 de Mahler, procurei dar dois ou mais passos adiante. Considerei Berg por ele ser muito próximo de Mahler.

O programa de nossos concertos no Brasil é pouco usual: começaremos com uma abertura de Johann Strauss Jr. – que também estava em contato com Mahler em Viena. Vale notar, que o tema da valsa passa por todas as três peças: além de marcar a obra de Strauss, Berg o usava, assim como Mahler.

Concerto para Violino de Berg foi seu último trabalho e ele sabia que era seu adeus ao mundo [o compositor morreu logo após conceber esta música, em 1935].

Mahler dizia que a morte não é o fim da existência. Para ele havia um outro mundo, uma mudança para outra dimensão. E o concerto de Berg, na parte final, expressa uma visão do que virá após à morte.

Berg dedicou para Alma Mahler o seu Concerto para Violino, também conhecido como À memória de um anjo, pois foi escrito depois da morte de Manon, amada filha dela com o arquiteto Walter Gropius. Nesta música, Berg reflete sobre sua própria vida e a de Alma [que foi casada com Gustav Mahler e, após a morte do compositor, casou-se com Gropius]. A parte do violino é muito difícil e precisa de um violinista que compreenda os diferentes movimentos da música de Berg. Eu sempre queria uma mulher para tocar esta obra e no Brasil teremos Albena Danailova no solo de violino.

Já Waldmeister, de Johann Strauss Jr., é uma obra tardia do compositor. Trata-se de uma opereta que descreve a ação da planta waldmeister, que tem fama de mexer com a cabeça das pessoas.

 

A Sinfonia nº 4 de Mahler raramente é apresentada no Brasil. Por isso, tem um significado especial apresentar esta música no programa da Junge Philharmonie Wien. O que esta obra tem de singular?

Lessky – A Sinfonia nº 4 de Mahler é a primeira peça do século 20 a conquistar grande sucesso e foi completamente inovadora quanto à composição de uma sinfonia. Mahler a construiu a partir do fim, de maneira que do último movimento surgisse o começo da obra.

Logo de início, com os sinos da abertura, Mahler procura nos fazer enxergar nossas próprias vidas através de um espelho, de maneira a não levarmos tudo tão a sério.

O primeiro movimento descreve a entrada no mundo de uma forma muito simples, com olhos muito abertos, como os de uma criança. Em seguida vem um movimento que é como uma dança da morte. Na Idade Média havia esta ideia da morte como uma pessoa com um violino de som estranho. Como se a morte fosse um amigo que está presente em nosso cotidiano. Somente através dela poderíamos atingir o paraíso.

No terceiro movimento há uma atmosfera sacra, católica, que remete às antigas catedrais com suas tumbas. É como se lá surgissem reminiscências sobre nossas vidas e subitamente, somente por um momento, nós pudéssemos enxergar o paraíso. A sinfonia termina com um tipo de lied [canção], que descreve a vida no paraíso como se fosse sob a percepção de uma criança. Há de novo aquelas visões medievais sobre paraíso e nós temos um texto de uma coleção de canções coletadas naquela época, as quais Mahler gostava muito.

Vamos ver qual será a parte mais atraente e sedutora desta Quarta Sinfonia de Mahler para o público brasileiro. Talvez o terceiro movimento, que eu acho divino.

 

Qual a importância de Mahler no repertório da Junge Philharmonic Wien?

Lessky – Mahler é muito importante para nós. Em 2012 iniciamos um ciclo Mahler, começando pela sua Sinfonia nº 5. Agora estamos nos detendo na Quarta Sinfonia. No próximo ano teremos a Terceira, em seguida a Segunda e terminaremos com a Décima.

 

Fale um pouco sobre a tradição musical vienense.

Lessky – Viena foi por centenas de anos a capital de um extenso país na Europa. Seu primeiro auge musical aconteceu nos tempos de Mozart, Beethoven, Haydn. Junto com a corte do império, no século 19, desenvolveu-se uma vida musical envolvida com a cidade, com os habitantes, primeiro em suas casas (como na de Schubert), depois em salas de concertos – especialmente na Musikverein*. Havia dinheiro, interesse e muita gente diferente de outros países reunidas em Viena: húngaros, alemães, judeus, pessoas da região checa da Bohemia.

Havia ainda uma efervescente tradição de tocar e compor música, começando por Haydn, Mozart, Schubert, Brahms, Bruckner, Mahler, Schoenberg. Todos eles viviam em Viena e aprendiam uns com os outros, ouvindo a música de outros compositores continuadamente, sem nenhuma interrupção. Foi um ambiente quase único na Europa.

 

Como podemos caracterizar o repertório da Junge Philharmonie Wien?

Lessky –Minha meta sempre foi cultivar um repertório muito vasto, que vai do clássico ao moderno, com música sinfônica, ópera e, claro, obras com acompanhamentos de solistas, cantores e instrumentistas. Quando começamos, em 1997, nós estabelecemos um lema: abrir dimensões – e eu reconheço que estamos mantendo esta proposta a cada ano.

 

Recentemente, vocês realizaram um concerto em Viena intitulado Junge Philharmonie goes Brazil, que incluiu a Sinfonia nº 4 de Mahler, a Bachiana Brasileira nº5 de Villa-Lobos e a Suíte de Danças Latino-americanas Samba-Bolero-Rumba, do compositor venezuelano Luis Ochoa.  Foi um aquecimento para as apresentações no Brasil?

Lessky – A ideia era fazer um concerto de despedida para que o público de Viena soubesse que estaríamos viajando para uma turnê muito especial no Brasil. Claro que a plateia deveria ouvir a principal obra que estaremos tocando nesta Temporada do Mozarteum, que é a Sinfonia nº 4 de Mahler.

Mas, deveria haver também alguma coisa que desse ao público um sentimento de nossas expectativas sobre o outro continente. A obra de Villa-Lobos eu gosto muito e as Danças de Luis Ochoa, foi uma ideia do violonista Gabriel Guillen, também nascido na Venezuela, que vive há muitos anos perto de Viena. Selecionei este programa pensando que seria um grande prazer para o público e também para os músicos.

 

Qual a ideia básica que norteou a fundação da Junge Philharmonie Wien?

Lesski – A Junge Philharmonie surgiu a partir da ideia de reunir jovens estudantes de alto nível na Áustria, para tocar em uma orquestra sinfônica – algo que não vinha acontecendo por cerca de dez anos. Queríamos apresentar música clássica com o frescor e a energia dos jovens, de uma forma moderna.

 

Por que é importante formar e manter orquestras jovens?

Lessky – Há uma grande herança cultural que deve ser preservada e transmitida para as novas gerações e a difusão da música nos proporciona profunda felicidade.

Pessoas jovens querem estar e tocar juntas, não querem praticar sozinhas nas salas de suas casas.

 

O que se destaca nos quase 20 anos de atividade da Junge Philharmonie Wien?

Lessky – Duas temporadas na China, concertos na Vienna Musikverein e o desenvolvimento de um vasto repertório, lembrando que em 2013 tocamos obras de todas as óperas de Wagner.

 

O que é motivo de orgulho para o senhor, como maestro?

Lessky – A satisfação estampada nas faces de jovens músicos.

 

O que a Junge Philharmonie Wien oferece de especial para o público?

Lessky – Uma grande alegria de tocar música, por músicos muito bem formados no estilo vienense.

 

Há dois brasileiros na Junge Philharmonie Wien?

Lessky – Sim. Rafael dos Santos me procurou certa vez com o desejo de tocar música sacra em Viena. Ele fez seu teste como estagiário e continua conosco, hoje na primeira fila dos primeiros violinos.

Carla Castro, que integra os segundos violinos, também estuda em Viena. Ela também é cantora de canções brasileiras em um grupo musical vienense.

 

O senhor é um músico com expressivo background. O que determinou sua opção pela música?

Lessky – Meu pai e minha mãe são musicistas. A memória que tenho de minha infância é que, em casa, a única coisa importante era a música. Meu pai me deu as primeiras oportunidades para conduzir uma orquestra, depois eu tive experiências com canto em um coro e, claro, tocando piano. Não sinto que me tornei músico, pois já nasci em um ambiente musical.

 

Sua experiência com o maestro Claudio Abbado na Vienna State Opera foi fundamental para sua carreira?

Lessky – Quando eu vi Claudio Abbado pela primeira vez, na Vienna State Opera, revelou-se um novo som e um novo mundo da música para mim. Devemos lembrar que, cerca de 30 anos atrás, em Viena, a música clássica era ministrada por professores severos, sentados em um trono e somente eles mesmos sabiam como a música deveria soar.

Claudio era completamente diferente deste padrão. Para ele, a música podia ser desenvolvida plenamente a partir de um ponto muito tranquilo e descontraído. Ele atraía jovens estudantes em volta dele, que podiam seguí-lo em cada detalhe durante as produções, sem qualquer postura altiva ou distante.

Guardo as mais profundas impressões de Claudio Abbado regendo Le Nozze di Figaro – de Mozart, Pelléas et Mélisande – de Debussy, Chowantschina – de Mussorgski, Gurre-Lieder – de Schoenberg e, mais tarde, todas as sinfonias de Mahler.

 

O que o público brasileiro pode esperar das solistas que estarão se apresentando com a Junge Philharmonie Wien – a violinista Albena Danailova e a cantora Lavinia Dames?

Lessky – Albena Danailova é uma excelente, inspiradora e refinada violinista. É uma das mais importantes concertistas da Orquestra Filarmônica de Viena, com um vasto espectro artístico.

Lavinia Dames venceu um importante prêmio de cantoras na Áustria e é a pessoa certa para interpretar a ideia de Mahler no último movimento da  Sinfonia nº 4. Ele mesmo escolhia para interpretar esta obra a chamada soubrette – soprano que canta mais como uma criança do que como uma diva. Mahler nunca quis uma estrela para este papel porque a cantora tinha que representar com “expressão alegre e juvenil”.

 

O que é música para o senhor? O que a música pode significar para a humanidade?

Lessky – Música para mim é uma maneira de expressar e viver diferentes tipos de emoção. A música me permite experimentar muitas e muitas coisas diferentes da vida. Faz com que nos desenvolvamos mais e mais. É como um sentido da vida para mim.

Para a humanidade, a música é uma das coisas mais importantes. Faz evoluir nossas almas. Estou absolutamente convencido que depois de ouvir música todos nós nos sentimos melhor. Então, que tenhamos mais música e menos guerras no mundo.

Música é uma dádiva de Deus.

*Musikverein: Em português, significa Clube da Música. Esta famosa sala de concertos de Viena foi fundada em 1860. Conhecida por sua arquitetura acústica, é considerada uma das mais belas salas de concerto do mundo.