Gijs Leenaars

Entrevista exclusiva com Gijs Leenaars, maestro do Coro da Rádio de Berlim: Uma orquestra de vozes, em harmonia com a tradição e a modernidade

Por Ana Francisca Ponzio

O Coro da Rádio de Berlim, que se apresenta dias 24 e 25 de outubro na Sala São Paulo, acompanhado da orquestra l’arte del mondo, virá ao Brasil com seu novo regente titular e diretor artístico – o jovem maestro holandês Gijs Leenaars, de 38 anos.

Considerado um expoente de sua geração na área da música coral, Gijs Leenaars tem fama de versátil e criativo. Junto ao Coro da Rádio de Berlim – uma formação musical histórica, que comemorou 90 anos em 2015 e já conquistou três prêmios Grammy – ele inicia nova fase, pautado pela excelência artística como status indissociável de seu trabalho junto aos cantores.

Em entrevista, Gijs Leenaars fala sobre o programa que será apresentado em São Paulo e o que é importante saber para apreciar ao máximo as apresentações do Coro da Rádio de Berlim, que encerra com chave de ouro a Temporada 2016 do Mozarteum. Os espetáculos contarão também com a consagrada orquestra l’arte del mondo, que tocará sob a direção de seu fundador e diretor artístico, Werner Ehrhardt.


O programa que será apresentado em São Paulo inclui o Réquiem Op. 45, conhecido como Um Réquiem Alemão, de Brahms, que o Coro da Rádio de Berlim também costuma apresentar na versão cênica dirigida por Jochen Sandig, em colaboração com a coreógrafa Sasha Waltz e seu grupo de dança. Nesta encenação, músicos e bailarinos se misturam aos espectadores, rompendo a distância entre palco e plateia. Qual o significado deste tipo de apresentação? 

Gijs Leenaars por Matthias Heyde

Gijs Leenaars – O Réquiem Alemão é, obviamente, uma obra cujo foco é a morte. No entanto, diferentemente do réquiem convencional, é uma peça que, em vez de celebrar os mortos, enaltece o consolo para aqueles que ainda vivem a existência terrena.

Em nossa produção, intitulada Réquiem Humano, em parceria com Jochen Sandig e Sasha Waltz, o público faz parte, literalmente, da apresentação. Isto cria uma relação muito íntima entre todos os cantores, os bailarinos e os espectadores. É uma situação em que, como disse o compositor Charles Ives, um compartilha com o outro a questão da perenidade da existência.

Em São Paulo, vamos apresentar o Réquiem Alemão como um concerto normal. Mas, esperamos envolver a plateia o mais intensamente possível no mundo de Brahms – um mundo no qual nós, seres humanos, somos vulneráveis mas estamos juntos.

 

É importante cultivar esta versatilidade, que permite novas formas de apresentação, em parceria com áreas artísticas como dança e teatro?

Gijs Leenaars – Nós nos sentimos responsáveis pelo futuro da música coral. Isto também significa, afinal, o futuro de todos nós. Buscamos maneiras e caminhos diferentes para compartilhar nosso amor pela música coral e atingir a maior quantidade possível de pessoas. Novas formas de apresentação não são uma meta em si para o Coro da Rádio de Berlim, mas representam meios através dos quais nós esperamos nos comunicar com um público ainda maior.

 

O que você destaca sobre o programa que o Coro da Rádio de Berlim apresentará em São Paulo?

Gijs Leenaars – Todas as obras do programa têm relação com aspectos cruciais da existência humana: vida, amor, sofrimento, alegria, morte. A voz humana, em si, se presta mais do que qualquer instrumento musical para a transmissão de mensagens que envolvem estes temas. Como todos nós temos uma voz, a música coral facilmente cria ressonâncias com o público.

 

Além do Réquiem de Brahms, também será apresentado o Réquiem de Mozart, última obra que ele concebeu antes de morrer. As estórias que envolvem esta composição vão desde a figura misteriosa que a encomendou – e que Mozart supostamente interpretou como sendo um mensageiro de Deus, anunciando sua própria morte – até a finalização do Réquiem, que ficou inacabado e foi completado por Franz Xaver Süßmayr. 

Gijs Leenaars – No sentido formal, o Réquiem de Mozart é mais convencional, mas muito menos convencional é a história de sua criação. É difícil compará-lo com o Réquiem de Brahms, principalmente porque não há muita coisa documentada sobre o Réquiem de Mozart, há somente um fragmento substancial do que ele planejava escrever. Por outro lado, como tudo o que Mozart produziu em seu último ano de vida, as notas que ele conseguiu escrever são tão carregadas de significados, que mesmo os fragmentos isolados e incompletos são obras-primas em si.

 

O programa inclui também o Adagietto, da Sinfonia nº5 de Mahler, com um arranjo de Clytus Gottwald para vozes a cappella, que é muito singular. O que este arranjo proporciona?

Gijs Leenaars – Depois que se aposentou, Clytus Gottwaldt passou a se dedicar à transformação de canções e música instrumental em peças corais para até 16 vozes – um processo remanescente da adaptação de Samuel Barber para seu Adagio para Cordas e Coro. Os arranjos de Gottwaldt permitem aos cantores maravilhosas performances do repertório clássico e a divisão em 16 cria uma complexidade enorme, além de responsabilidade com relação ao coro. É como reger uma orquestra de vozes!

 

Como se caracteriza a sonoridade do Coro da Rádio de Berlim?

Gijs Leenaars – O Coro da Rádio de Berlim tem um som homogêneo. Há um horizonte sinfônico neste conjunto coral, somado a uma técnica muito precisa. Seu som pode ser amplo sem ser duro e mais retraído sem ser seco.

Foto: Kai Bienert

 

Qual seu foco principal, como novo regente do Coro da Rádio de Berlim?

Gijs Leenaars – O aspecto mais importante de meu trabalho está no esforço cotidiano em busca da perfeição, no dia a dia dos nossos ensaios. Acredito que a consolidação ou o status quo de um trabalho são mantidos ou atingidos por meio da excelência artística.

 

O que é mais estimulante para você, como novo diretor artístico do Coro da Rádio de Berlim?

Gijs Leenaars – É muito estimulante fazer música junto com um conjunto musical tão receptivo. Eu exijo muito dos cantores e tento dar um retorno responsável. O Coro, graças ao grande trabalho de meu antecessor, o maestro Simon Halsey, e do diretor Hans-Hermann Rehberg, tem uma posição de muita visibilidade na vida musical da Alemanha. Temos uma posição privilegiada, pois somos convidados para os eventos mais importantes e interessantes e ao mesmo tempo temos espaço para desenvolver nossos próprios projetos artísticos.

 

Embora jovem, você tem uma carreira relevante. Como você se envolveu com a música coral?

Gijs Leenaars – Eu comecei a tocar piano aos seis anos de idade. Perto dos 16, fui convidado para substituir um maestro em um coro de estudantes de uma igreja. Eu não tinha noção de regência nem de canto, mas alguma experiência no acompanhamento de coros. Porém, algumas semanas depois, quando o maestro se desligou do coro, fui convidado para assumir o lugar dele. Daquele momento em diante, a minha experiência se desenvolveu passo a passo. Conduzi vários grupos amadores e aprendi muito através da tentativa e do erro. Me graduei em piano aos 19 anos, mas decidi que queria ser maestro. Estudei regência coral em Amsterdã e comecei também a cantar. Daí, graças a um misto de coincidência e interesse pessoal, de sorte e esforço, eu me desenvolvi como regente, o que provavelmente significa algo como: muito amor pela música e habilidade em muitas coisas diferentes.

 

Como a tradição e a modernidade se situam no repertório do Coro da Rádio de Berlim?

Gijs Leenaars – Logicamente, o Coro tem um repertório essencial, que inclui obras de Brahms, Bruckner, Mahler e todos os outros gigantes da tradição germânica. Mas o Coro também tem muita familiaridade com as novas criações, cantadas em parceria, por exemplo, com a Orquestra Filarmônica de Berlim. O Coro tem suas raízes na República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) e por isso está muito habituado com a literatura russa. Mas agora, já vivendo há 15 anos na Alemanha unificada, absorveu todas as novas influências possíveis. Eu diria que o Coro é, portanto, a prova viva de como a tradição é dinâmica. É como tem que ser, para permanecer viva.

 

Qual sua expectativa com as apresentações em São Paulo? 

Gijs Leenaars – Espero levar para a cidade o que é mais valioso para nós: cantar e tocar músicas que nós amamos e compartilhar isto com o público. O Coro da Rádio de Berlim entende a música como um lugar de encontro.