Angelika Kirchschlager

Entrevista exclusiva: Angelika Kirchschlager

Por Ana Francisca Ponzio

Uma das mais importantes cantoras líricas da atualidade, a mezzo-soprano Angelika Kirchschlager abre a Temporada de 2016 do Mozarteum Brasileiro. Acompanhada da Cappella Istropolitana, conjunto camerístico dirigido por Robert Mareček, ela cantará canções da tradição austríaca, com destaque para as composições de Schubert.

Angelika (pronuncia-se Anguêlika) já brilhou no Brasil neste ano. Em março, no festival Música em Trancoso, conquistou o público com sua beleza vocal, somada a carisma e desenvoltura cênica.

Em entrevista, Angelika fala sobre Schubert, cujas canções ela cantava já na infância. Hoje, é reconhecida como uma das maiores intérpretes da obra deste compositor, também consagrado como o criador da canção romântica. Curiosamente, Angelika revela que gosta de praticar boxe que, segundo ela, exige foco e concentração, assim como o canto. Ela também fala sobre o premiado projeto de apresentações sem cobrança de cachê, que ela criou há três anos, para levar música clássica aos moradores das pequenas cidades da Áustria. Nestes vilarejos, ela canta em igrejas, espaços públicos, ginásios. “Meu objetivo é proporcionar contato com música clássica às pessoas que normalmente não frequentam salas de concertos”, ela diz.


Você acaba de se apresentar no festival Música em Trancoso. O que este evento lhe proporcionou?

Angelika Kirchschlager – Fiquei impressionada com o envolvimento musical que existe no festival Música em Trancoso. Encontrar público tão entusiasmado, longe das metrópoles, foi uma experiência maravilhosa, assim como a oportunidade de trabalhar com músicos de diferentes estilos. A amizade e o grande amor pela música nos uniu. Eu adoraria se o mundo inteiro trabalhasse desta forma!

 

Você vem de um país com grande tradição musical, onde festivais e temporadas de música são rotina. Para completar, nasceu em Salzburg, onde também nasceu Mozart e onde se realiza um dos festivais de música mais importantes do mundo. Isto foi um estímulo para você se iniciar na música?

Angelika – Para quem nasce em Salzburg é quase impossível escapar da influência da música clássica e de Mozart. Eu cresci tocando piano, depois cantei em coros de igreja e de escola. Sempre interpretei Mozart, assim como outros compositores. Quando era estudante, eu vendia gravações e CDs para artistas que estavam cantando no festival de Salzburg e que mais tarde tornaram-se meus colegas. Tudo isso estimulou minha carreira musical, sem dúvida.

 

Nas apresentações que fará em São Paulo, o programa destaca a obra de Schubert. Qual sua ligação com a música deste compositor, especialmente suas canções?

Angelika – Schubert está muito presente na mente dos austríacos. Muitas de suas canções tornaram-se populares e muito antes de ouvir seu nome, eu já cantava suas canções na infância. Cantar Schubert é provavelmente o maior desafio para uma cantora de lieder[‘canções’, em alemão] por causa da complexidade de suas composições.

 

Voz e corpo são uma unidade. Você faz algum trabalho corporal específico para ajudar sua expressividade cênica?

Cantar é quase um tipo de esporte. Em meio à minha agenda eu tento me dedicar um pouco a meu esporte favorito, que comecei a praticar no último outono: o boxe. Há muito em comum entre o canto e o boxe. Em ambos é preciso ir diretamente ao ponto, com foco e concentração, dirigindo e liberando energia no tempo e no sentido certos.

 

Como você conjuga sua intensa agenda de apresentações em diferentes partes do mundo com a vida pessoal?

Angelika – Combinar meu trabalho com minha vida pessoal é extremamente difícil. Agora meu filho tem 20 anos de idade. É um jovem maravilhoso, está estudando em Berlim, para ser ator profissional. Mas durante muito tempo a logística e o desafio mental eram enormes. É preciso uma boa parceria com família e amigos. Meus amigos são incrivelmente pacientes comigo, às vezes viajam comigo, mudam seus planos quando eu estou em casa, para podermos nos encontrar.

 

Você também associa música a projetos sociais. Por que criou o projeto de apresentações, sem cobrança de cachê, em pequenas cidades do interior da Áustria?

Angelika – Meu projeto em pequenas cidades austríacas começou quando um vizinho de meus pais, um agricultor, veio a um de meus concertos e descobriu o quanto ele gostava da música de Gustav Mahler. Por meio deste projeto eu tento mostrar às pessoas que não há razão para temer a música clássica. A música move as pessoas e as aproxima. Se olharmos para o mundo atual, perceberemos que as pessoas precisam sentir umas às outras. Cantar gratuitamente, sem cobrar cachê, é uma experiência muito saudável. Por causa deste projeto eu recebi o Prêmio Europeu para Cultura e Música de 2013.