Série #NossosTalentos / Canto em Trancoso 2019Chiara Guttieri – soprano

A paulistana Chiara Guttieri tem dupla nacionalidade: brasileira e italiana.

“Meu pai é italiano, nascido em Potenza, sul da Itália, e hoje, divorciado de minha mãe, mora em Curitiba. Mamãe é daqui mesmo, com descendência italiana, como muitos paulistas. Moro desde sempre no Alto da Lapa, com uma família numerosa. Somos mãe, avó, avô, tia, tio e primo, que vivem em um casarão dividido em duas casas geminadas. Fui criada por três mulheres fortes, mãe, avó, tia.” – conta esta soprano de 21 anos, que nunca teve dúvidas sobre sua vocação.

Para Chiara, a tradição italiana do bel canto parece ter nascido com ela. “Sempre fui cantora”, afirma. “Toda minha família me incentivou a seguir meus sonhos. Em casa, sempre souberam que eu faria faculdade de canto. Eu realmente cantava antes mesmo de falar”.

A seguir, Chiara conta um pouco de sua história.

Ontem e hoje

“Minha ligação com a música, o canto, começou muito cedo. Aos oito anos fazia aula de canto lírico, inspirada em musicais como Cats, O Fantasma da Ópera e A Noviça Rebelde. Obviamente era uma aula adaptada porque eu era muito pequena. Mas já cantava árias antigas e canções de musicais desde essa idade.

Aos 13 anos entrei no Coro Infantil da OSESP [Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo] e foi aí que percebi que cantar em coro era meu grande amor. Pude cantar repertórios grandiosos com a OSESP como a Oitava Sinfonia de Mahler, a Valsa dos Flocos de Neve da Suíte Quebra-Nozes de Tchaikovsky, Kaddish de Leonard Bernstein, entre outras belezuras do mundo erudito. Me apaixonei completamente.

Cresci e fui para o Coro Juvenil da OSESP, onde permaneci até os 17 anos, quando entrei na Unesp [Universidade Estadual Paulista] para cursar canto lírico. Os horários coincidiram e tive que deixar o coro. Atualmente, estou em meu último semestre deste curso, faltam poucos meses para poder dizer que sou bacharel em música e canto erudito pela UNESP. Paralelamente, sempre fui e sou feliz no teatro e na dança. Tive o prazer de integrar o elenco do musical que me guiou para a música: fiz parte do ensemble no musical A Noviça Rebelde, que ficou em cartaz no Teatro Renault no primeiro semestre de 2018.”

Sei que canto

“Não consigo especificar o momento que me descobri cantora. Eu sempre fui. Arrebatada pelos musicais mais líricos e pela beleza do canto coral, sinto que este sacerdócio que é ser artista é algo que sempre esteve e estará presente em mim. Lembro-me de uma noite de apresentação do Kaddish de Bernstein em que me atentei para uma frase dita pelo narrador da peça: While I have breath, however brief, I will sing.

Sempre entendi que o poema Motivo, de Cecília Meireles, é a melhor coisa que me define como mulher e como artista:  ‘Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta. / Irmão das coisas fugidias, / não sinto gozo nem tormento. / Atravesso noites e dias / no vento. / Se desmorono ou se edifico, / se permaneço ou me desfaço, / — não sei, não sei. Não sei se fico / ou passo. /  Sei que canto. E a canção é tudo. / Tem sangue eterno a asa ritmada. / E um dia sei que estarei mudo: / — mais nada’.”

Canto em Trancoso

“A academia, para mim, é definição de paraíso. A troca com os professores, maestro e com os colegas cantores de diversos estados do Brasil é sempre algo imensurável de tão especial. Almas unidas pela música, cada um com sua história e trajetória, dentro da beleza de Trancoso, com o objetivo de fazer música. Ter ganhado a bolsa é ter a alegria de poder colher frutos da árvore que plantei ainda pequenininha.

A devoção é natural e acontece mesmo sem saber se receberei algo em troca. A bolsa simboliza um voto de confiança desses grandes artistas que são os professores e o maestro. É apenas maravilhoso saber que eles acreditam na minha voz e no meu jeito de fazer música – um jeito ainda tão jovem e às vezes instintivo.”

Planos e sonhos

“Simples: viver da música e da minha voz.”

Potência feminina

“Ter sido a única garota escolhida para a bolsa deste ano me enche de orgulho e responsabilidade. Me mostra que estou no caminho certo e que estou garantindo espaço para as que virão depois de mim. O meu ‘ser-artista’ sempre está relacionado ao meu ‘ser-mulher’. Toda vez que tenho dúvida sobre minha capacidade ou relevância, lembro de todas as musicistas que vieram antes de mim e garantiram que eu pudesse votar e cursar uma universidade. Lembro de todas que me permitiram sonhar.

Este ano me formo na Unesp com um recital TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], chamado Recital Resiliente, focado em compositoras brasileiras. Somente mulheres estarão no palco. Cantarei acompanhada de uma violonista, uma pianista, uma harpista – que está sempre em Trancoso, a Talita Martins, e mais duas cantoras convidadas para um trio vocal.

O Recital Resiliente, para mim, representa o que toda mulher precisa ter no mundo e na música: resiliência. Quando canto, louvo as vozes caladas durante séculos e agradeço por poder cantar.”

 

Leia mais sobre Chiara Guttieri e Canto em Trancoso 2019 em: https://bit.ly/2JPy3rI

Na galeria de fotos, imagens de Chiara Guttieri na academia Canto em Trancoso de 2019 — participando de masterclasses e do concerto de encerramento. Na última foto: Chiara e o maestro Rolf Beck, quando foi anunciado que ela era uma das quatro selecionadas para bolsa de estudos adicional. (Fotos: Cauê Diniz)