Gustavo Gimeno
Por Ana Ponzio
Pode-se considerar uma estreia tripla: a Orquestra Filarmônica de Luxemburgo, o maestro espanhol Gustavo Gimeno como regente e a violinista holandesa Janine Jansen como solista convidada, se apresentarão no Brasil pela primeira vez na programação de 2019 do Mozarteum Brasileiro. Orquestra, maestro e solista, são identidades musicais de enorme prestígio na atualidade.
Em entrevista exclusiva, Gustavo Gimeno fala sobre os programas escolhidos para os concertos na Sala São Paulo e sobre a Filarmônica de Luxemburgo, que reúne músicos de mais de 20 nacionalidades. Desde 2015, Gimeno é diretor artístico desta orquestra, uma das principais da Europa.
Filho de um clarinetista, Gimeno estudou piano na juventude e mais tarde, na Holanda, tornou-se maestro assistente na respeitada Royal Concertgebouw Orchestra, de Amsterdam, onde sua carreira de regente ganhou impulsos fundamentais.
A estreia brasileira da Orquestra Filarmônica de Luxemburgo acontecerá na Sala São Paulo, dias 20 e 21 de setembro de 2019.
Como se caracterizam os programas que a Orquestra Filarmônica de Luxemburgo apresentará em São Paulo?
Gustavo Gimeno – São programas que contêm a essência da música romântica, com Schubert como ponto de partida e Dvořák como o auge desta jornada musical do século 19. Todos os compositores que estaremos interpretando estão conectados de uma forma ou de outra. Mas, se ouvirmos mais atentamente as duas sinfonias que apresentaremos – a Primeira de Brahms e a Nona de Dvořák – perceberemos que os dois compositores absorveram música popular e encontraram uma maneira muito pessoal de expressá-la nas estruturas da forma sinfônica e da tradição clássica. Ambos admiravam formas clássicas e foram muito influenciados por Schubert, Schumann e, obviamente, Beethoven.
Além de duas das mais representativas e mais adoradas sinfonias da história, também vamos apresentar dois concertos para violino – o de Tchaikovsky e o de Mendelssohn – que são ícones do romantismo.
Serão grandes alegrias para nós, e eu espero também para o público de São Paulo, as apresentações destas composições maravilhosas, cheias de beleza e de temas nostálgicos, com uma presença muito forte da dança e da música folclóricas.
Os concertos da Orquesta Filarmônica de Luxemburgo em São Paulo terão a violinista holandesa Janine Jansen como solista convidada. Como você definiria esta artista, que também estará se apresentando pela primeira vez no Brasil?
Gustavo Gimeno – Conheci Janine Jansen muitos anos atrás, quando tocamos música de câmara juntos. Desde então, temos realizado inúmeras parcerias.
Ela é uma artista que admiro profundamente. É muito expressiva, extremamente musical, carismática, inteligente e espontânea ao mesmo tempo. Sempre honesta e humilde. Estou muito feliz por estarmos juntos nestas apresentações no Brasil.
A Orquestra Filarmônica de Luxemburgo reúne músicos de mais de 20 países. O que significa essa multiculturalidade?
Gustavo Gimeno – A Orquestra Filarmônica de Luxemburgo é especialmente multicultural, mas nós todos nos sentimos em casa e bem-vindos em Luxemburgo, que é um pequeno e maravilhoso país, onde a população se identifica profundamente com sua orquestra e com seu grande teatro-sede, o Philharmonie Luxembourguish. Somos cientes da importância de nossa orquestra como embaixadora cultural de Luxemburgo.
É muito enriquecedor para todos nós ter pessoas de tantas nacionalidades diferentes na orquestra. Mas, ao mesmo tempo, quando estamos no palco durante um concerto, eu sinto que nós todos nos tornamos ‘um’, fazendo música juntos e compartilhando nosso amor pela música.
Quais as principais diretrizes da Orquestra Filarmônica de Luxemburgo?
Gustavo Gimeno – O fato de haver tantas culturas coexistindo na orquestra faz com que a Filarmônica de Luxemburgo seja um ambiente versátil e flexível, de mentalidade aberta, com curiosidade para descobertas permanentes. Nosso leque de atividades e de repertório é muito grande. Obviamente nós apresentamos o repertório clássico e romântico fundamental, mas também música do século 20, novas composições, além de algumas óperas a cada temporada.
Atividades educacionais, somadas aos concertos, são também partes importantes de nosso trabalho e ainda espetáculos que cruzam linguagens e enfocam músicas de filmes.
Qual o compromisso da orquestra com projetos socioeducativos?
Gustavo Gimeno – Nossa orquestra realiza concertos para estudantes e famílias habitualmente. Mas, nossos devotados músicos também apreciam o contato constante com crianças em diferentes contextos, o que é absolutamente essencial para o desenvolvimento humano e de nossa sociedade. De fato, a Philharmonie Luxembourg é uma instituição líder em termos de atividades educacionais para todas as idades e tenho muito orgulho de fazer parte disto.
Quais são as estratégias para atrair novos públicos para a música clássica?
Gustavo Gimeno – Educação é crucial. Cultivamos a educação no sentido mais amplo possível, abrindo portas de nosso teatro para um público amplo, famílias, visitantes, para as vizinhanças, para escolas. Obviamente, contamos com políticas inteligentes, que são acolhedoras com a cultura e com o investimento em educação.
Quando as oportunidades são criadas e as pessoas têm acesso à sala de concertos pela primeira vez, eu sempre me surpreendo ao ver e ouvir reações entusiasmadas. Isto é muito forte, me dá confiança para grandes experiências artísticas ao vivo.
Qual a importância da apresentação ao vivo no mundo de hoje?
Gustavo Gimeno – A performance ao vivo – e ainda mais hoje em dia, neste mundo em rápido movimento, com tanta tecnologia e distrações à nossa volta – é uma oportunidade maravilhosa e única para experimentar todo tipo de emoção, para sentir-se vivo e conectado com os próprios sentimentos, com a essência do que somos como humanidade e para que todos nós possamos refletir sobre nós mesmos.
Você foi assistente de Claudio Abbado em 2013, um ano antes da morte deste grande maestro. Qual a importância desta convivência para você?
Gustavo Gimeno – Cada momento junto de Claudio Abbado foi um prêmio para mim… Uma incrível experiência. Ele era sempre muito gentil, generoso e solidário. Era uma pessoa curiosa, sua simplicidade, dedicação e paixão pela música eram impressionantes.
Em setembro de 2020 você se tornará diretor musical da Orquestra Sinfônica de Toronto, no Canadá. Você continuará na mesma função, na Filarmônica de Luxemburgo? Quais suas expectativas sobre esta nova fase?
Gustavo Gimeno – Eu realmente conjugarei ambos os postos como diretor musical, por duas temporadas completas. Estou certo que terei muito prazer em trabalhar com duas orquestras que gosto muito e que conheço bem. Mas obviamente eu reduzirei minhas aparições como maestro convidado durante as temporadas.
Quais suas memórias mais remotas sobre música? O que foi determinante em sua carreira como maestro?
Gustavo Gimeno – Eu não tenho uma primeira lembrança concreta, mas várias delas… Meu pai era músico e professor, então música sempre esteve presente em minha vida. Me lembro quando, ainda criança, eu ia sempre com ele a concertos, ensaios. Também o ouvia praticando e ensinando…
Estudar em Amsterdam foi uma parte muito importante de meu desenvolvimento, assim como ter sido membro da Royal Concertgebouw Orchestra, onde aprendi muito. Trabalhar junto de maestros como Mariss Jansons, Bernard Haitink e Claudio Abbado também foi determinante em minha vida como regente. Sou muito grato a eles.
Uma questão básica: o que a música significa para você?
Gustavo Gimeno – Música é minha vida. Eu não posso imaginar vida sem música. Música, como todas as artes, é essencial para nosso desenvolvimento como seres humanos. Nos conduz à nossa união, ajudando-nos a realizar o que temos em comum e enriquecendo nossos contrastes culturais.