Série #NossosTalentosJessica Leão, soprano
Abrir portas, oferecer oportunidades, estimular novos talentos: para o Mozarteum, sempre foi fundamental valorizar jovens músicos brasileiros – instrumentistas e cantores líricos.
A série #NossosTalentos procura dar visibilidade e revelar aqueles que se destacam nas atividades socioeducativas do Mozarteum. Muitos deles já desenvolvem carreiras promissoras, inclusive fora do Brasil. Todos comprovam a potência musical brasileira.
Jessica Leão, soprano
Aos 28 anos, a soprano Jessica Leão, paulista de São Bernardo do Campo, já provou que seu talento pode levá-la a muitas conquistas. Bolsista do Mozarteum, ela participou da segunda e da terceira edição da academia Canto em Trancoso, em 2016 e 2017.
Antes disso, ela já havia estudado na Alemanha em 2014 e 2015, na Chorakademie Lübeck, também com bolsa de estudo do Mozarteum. Em 2019, depois de participar de três concertos do festival Música em Trancoso, Jessica conquistou o primeiro lugar no Concurso Jovens Solistas da OSESP, um dos mais importantes do Brasil, realizado pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
Na entrevista a seguir, Jessica Leão conta um pouco de sua história.
Como tudo começou:
“Eu tinha uns sete anos de idade. Participava de um coral junto com minha mãe e um dia o regente disse a ela que minha voz era boa para o canto lírico. Para que eu me desenvolvesse, ele indicou o conservatório André da Silva Gomes e a professora Érica Furlan. Passei por algumas escolas de música, sempre fazendo canto popular e, com 16 anos, entrei neste conservatório. Na minha primeira aula com a Érica, ela me apresentou o canto lírico, assisti a uma apresentação dos alunos dela e uma aluna cantou uma ária do método de Nicola Vaccai, Lascia il lido. Não era nada de mais, mas para uma menina de 16 anos, que nunca tinha visto o canto lírico de perto, foi um encantamento.
Comecei a estudar canto lírico e durante os anos de estudos o pessoal do conservatório sempre dizia que eu tinha potencial, que eu deveria tentar uma faculdade de música. Nos últimos anos do conservatório eu estava fazendo faculdade de biomedicina. Me formei no conservatório e comecei a trabalhar como operadora de caixa em um mercado próximo. Às vezes o pessoal do conservatório ia ao mercado e ficava indignado ao me ver trabalhando ali. Falavam: “Seu lugar não é aqui, Jessica, você tem que estar nos palcos”.
Então eu prestei exames na UNESP (Universidade Estadual Paulista) para estudar no Instituto de Artes, mas não passei, fiquei na lista de espera. Quando eu estava no último ano de biomedicina, minha mãe me obrigou a prestar novamente a UNESP. Eu não queria porque, caso aprovada, teria que fazer duas faculdades. Acho que naquele ano eu pensava que tinha de desistir do canto… Para minha surpresa, eu passei na UNESP. Era o ano de 2013, saí do trabalho onde estava na época, passei a fazer as duas faculdades, terminei biomedicina e continuei na UNESP. Foi quando minha vida musical profissional começou e eu realmente conheci o universo da música clássica. No mesmo ano fui selecionada em uma audição com o maestro Rolf Beck, da Chorakademie Lübeck, e com bolsa de estudo do Mozarteum pude estudar na Alemanha. Cantar com a Chorakademie Lübeck foi uma experiência incrível, me abriu novos horizontes e, efetivamente, influenciou minha decisão de me tornar uma profissional do canto lírico.”
O que aconteceu de mais importante durante a formação como cantora lírica:
“Acho que o autoconhecimento. Tive que aprender a lidar com os meus medos, minhas angústias. Acredito que para ser uma boa cantora é preciso, acima de tudo, se dar bem consigo mesma.”
Momento atual:
“Me formei no ano passado e confesso que fiquei um pouco desesperada pensando: e agora, o que vou fazer? Mas, tudo está se encaminhando aos poucos. Estou fazendo alguns trabalhos, em fevereiro cantei como solista em uma apresentação da Nona Sinfonia de Beethoven no Teatro Bradesco e, a convite do Mozarteum, participei de três concertos do festival Música em Trancoso. Já tenho uma ópera para fazer em agosto, também no Teatro Bradesco, onde vou interpretar a Rainha da Noite de A Flauta Mágica, de Mozart. Passei num curso na Inglaterra, em uma ópera estúdio em Hastings, onde fui selecionada para fazer a Rainha da Noite, ganhei bolsa de cem por cento para o curso e agora estou tentando viabilizar os custos da viagem.”
A vitória no Concurso Jovens Solistas da OSESP de 2019
“Ainda estou em êxtase por vencer o Concurso Jovens Solistas da OSESP na categoria Voz. Foi uma grande vitória, a primeira fase aconteceu por meio de vídeo e currículo e a apresentação final foi na Sala São Paulo, no dia 29 de abril. Fui a única cantora selecionada no concurso deste ano. Para a semifinal competi com 21 instrumentistas, 12 passaram para a final e fiquei em primeiro lugar. O prêmio, em si, é um concerto à frente da OSESP, que se realizará em outubro, também na Sala São Paulo.
Ter conquistado o primeiro prêmio neste concurso foi a confirmação de que estou no caminho certo, que todos esses anos de estudo estão valendo a pena, que eu não devo desistir. Ser cantora não é uma carreira fácil, recebemos mais “nãos” do que “sins”, sempre surgem dúvidas. Devo continuar? Estou no caminho certo? Devo insistir nisso? Então, depois de muitos nãos, depois de muitos recuos, este primeiro lugar, este “sim’, me estimula a seguir em frente, com disposição para enfrentar todas as dificuldades.”
Expectativas:
“Gostaria muito de continuar meus estudos na Europa – seja fazendo um mestrado ou trabalhando em um estúdio de ópera. Espero estar no palco, onde a gente aprende, erra, cresce. O palco é a maior escola que um cantor pode ter, mesmo já sendo um profissional.”
Um grande sonho:
Ser uma cantora reconhecida internacionalmente, cantar nos grandes palcos do mundo, no Metropolitan Opera House de Nova York, no Teatro alla Scala de Milão… Posso estar sonhando alto, mas se existe algo que nos move nessa vida é o sonho. Penso sempre na frase de um autor desconhecido, que li certa vez: “Nem o céu é o limite quando os sonhos são maiores que o próprio universo”.
Ser cantora lírica no Brasil:
“É um grande desafio, que está se tornando quase impossível. Eu gostaria de desenvolver minha carreira aqui, ao lado de minha família e amigos, mas financeiramente é quase impossível se você não tiver um segundo emprego.”
Cuidados com a voz:
“Ser um artista do canto significa ser uma pessoa muito disciplinada. Temos que seguir rotinas, como exercícios de vocalização todos os dias, precisamos ter uma alimentação que não atrapalhe a saúde vocal, fazer alguma atividade física.
Para cuidar da minha voz, eu tomo muita água, em dias secos faço inalação e hidrato o nariz com soro. Em dias de atividades intensas procuro dormir bem.”
Canto em Trancoso:
“Esta academia me proporcionou uma experiência maravilhosa. Primeiro porque foi onde conheci meu professor, Chico Campos, que mudou minha vida. Ele me lapidou vocalmente. Canto em Trancoso é um projeto incrível, que dá oportunidade para jovens cantores – de estar no palco, fazer música de qualidade, aprender com professores de altíssimo nível, fazer contatos. Tenho muitos colegas que foram estudar fora através de contatos proporcionados por Canto em Trancoso. Eu só vejo pontos positivos neste projeto, não vejo nenhuma outra iniciativa no Brasil que englobe tudo isso.”
Sobre as atividades do Mozarteum em prol de novos talentos:
“Acho incrível! Parabenizo o Mozarteum por todos os incentivos que oferece, principalmente aqui no Brasil, onde a cultura infelizmente está cada vez mais escassa. Acho ótimo que organizações como o Mozarteum se mantenham firmes, dando esperança para jovens músicos.”
Fotos de Cauê Diniz: Jessica Leão em apresentação no festival Música em Trancoso de 2019.