Canto (jazz)
Por Dave Williams
Nascida em 1957, Brenda cresceu na Califórnia (EUA). Seus pais vieram de uma região agrícola pobre do Mississipi e migraram para a Costa Oeste em busca de melhores oportunidades de trabalho na indústria armamentista. Naquela época, o rádio era companhia constante em casa. A mãe ouvia música Gospel e o pai acompanhava partidas de baseball e escutava soul music. Além disso, a mãe de Brenda cantava na igreja e incentivava a filha a fazer o mesmo, mas era muito rigorosa. “Meu pai não cantava, mas tinha o hábito de sentar no jardim e ficar assobiando um tipo de jazz. Eu peguei essa mania dele. Mas minha mãe não nos deixava assobiar em casa, pois dizia que, segundo um antigo ditado, seria de mau agouro – ‘mulher que assobia e galinha que canta, faca na garganta’”. Apesar disso, Brenda tornou-se exímia no assobio e, ocasionalmente em seus shows, assobia solos impressionantes.
O verdadeiro mentor musical da família, no entanto, foi seu irmão mais velho, Ernest, que era baixista. No final da década de 1960, quando Brenda estava chegando à adolescência, Ernest costumava comprar todos os lançamentos instrumentais de músicos como Metres e Mongo Santamaria, para estudar as linhas de base, pois tinha começado a tocar com um pequeno conjunto com o qual se apresentava em shows locais e casamentos. Depois, tocou com a banda Rythumatics, com a qual realizou diversas gravações por um selo independente. Infelizmente Ernest veio a falecer tragicamente ainda jovem, com apenas 35 anos, mas suas gravações acabariam influenciando profundamente a jovem Brenda.
Aos 16 anos de idade, Brenda cantava no Coro Missionário Batista do Norte de Oakland e quando estava na quarta série, teve aulas de música e tocava clarinete. Mesmo não sendo uma virtuose do instrumento, formou-se em clarinete baixo na orquestra da escola tocando musiquinhas populares. Foi aí que surgiu seu interesse inicial por música formal e foi também o que lhe “permitiu sentar perto de todos aqueles grandalhões que jogavam no time de futebol americano”. Ao terminar o colégio, então com 18 anos, Brenda foi estudar psicologia e assistência social em Berkeley e sentiu-se suficientemente confiante para encarar uma audição quando o Coro de Jazz de Berkeley abriu vagas. Interpretou muito bem uma canção de Billie Holiday e entrou para o Jazz Ensemble. Um ano mais tarde, percebeu que cantar era o que queria fazer na vida e, como Berkeley também tinha uma big band, passou a ter a ambição de ser a vocalista da banda. O diretor musical do conjunto, no entanto, sentiu que ela precisava entrar aos poucos e a chamou para ensaiar uma peça de quatro movimentos, o que resultou em seu primeiro show profissional em um churrasco. Ela acabou ganhando a posição de vocalista da big band e cantou standards de jazz por alguns poucos anos em endereços das redondezas, com músicos como o baterista Smiley Winters e Rob Fisher.
Foi aí que o guitarrista Sonny Lane entrou em cena. Ele morava por ali, era amigo da família e um dia disse: “Menina, ouvi falar que você anda cantando. Por que você não vai com a gente ao Eli’s Mile High Club no domingo?”. “Ele era bem mais velho que eu, mas fui para participar de jam sessions com Francis Clay na bateria e Mississipi Johnny Waters”. Mark Hummel ou Carlos Zialcita tocavam harpa. Isso foi nos anos 1980, quando os negros mais velhos vinham para festejar e dançar, mas uma garotada branca também aparecia para curtir o som. Rapidamente Brenda se tornou artista fixa do Eli’s, interpretando hits populares de R&B.
Troyce Key, na qualidade de dono do clube, e qualquer um que tivesse alguma importância na Costa Oeste americana, cedo ou tarde dava as caras no Eli’s. Troyce tinha um equipamento de gravação multi-track montado em uma sala no andar de cima do clube, com cabos conectores que passavam pelo teto. Infelizmente, para a comunidade de blues local, ele não vive mais, mas deixou uma coleção enorme de gravações ao vivo. Essas fitas estão hoje com o renomado jornalista Lee Hildebrand e com o ex-guitarrista da casa, Steve Gannon. Eu tive o privilégio de ouvir algumas dessas gravações e a lista de artistas é impressionante. A grande banda com metais da casa apresentando caras como Oscar Myers, Wild Willie Moore e Geno Landry, junto com Louis Madison, além do ex-tecladista do James Brown’s Flames, que pode ser ouvido acompanhando caras como Buddy Ace, Freddie Roulette, Luther Tucker, Cool Papa, Joe Louis Walker, Frankie Lee, Theodis Ealey, Beverly Stovall e muitos, muitos outros. Se houver algum empreendedor interessado em abrir esse baú de tesouros de música maravilhosa para os ouvidos do público, teremos enorme prazer em conversar. No meio de todas essas joias estão também duas fitas de 90 minutos de Brenda Boykin.
Brenda só poderia falar de Troyce do modo mais carinhoso possível (assim como todos os artistas com os quais conversei a respeito dele). Ela adora fechar os sets no palco imitando a fala arrastada e profunda de Troyce: “Hello juke box” e, quando retorna, chama os músicos ao palco com “Hello band”. Dizem que Troyce também usava as famosas palavras de Julia Lee para encerrar os shows: “Ok! Vocês não precisam ir para casa, mas não podem ficar aqui”.
Foi no Eli’s que Brenda conheceu o então guitarrista fixo da casa, Paris Slim (o francês Frank Goldwasser, recém-expatriado), o que resultou em sua primeira gravação em estúdio, como vocalista convidada no álbum backtrack de estreia, Blues for Esther, cantando “(You) Can’t raise her” (uma canção de Jimmy McCracklin) e “High and Lonesome”, o primeiro sucesso de Jimmy Reed para o selo VeeJay. Um início modesto daquilo que viria a ser uma carreira longa e diversificada nos estúdios.
No início dos anos 1990, Brenda iniciou uma parceria prolífica com John Firmin (amigo próximo de seu irmão Ernest), um sax tenor que adotou o nome Johnny Nocturne e criou uma grande banda com metais que caiu nas graças do jump swing, movimento de revitalização do swing que estava na moda. Brenda se tornou a principal vocalista de Nocturne, nos moldes de Ruth Brown, Faye Adams e outras. “Nós queríamos que a música fosse tão autêntica quanto possível e juntos fizemos três álbuns para o selo Bullseye Records, Wailin’ Daddy (1992), Shake Em Up (1994) e Wild & Cool (1998)”. Durante esse período eles eram os bambambãs da Costa Oeste e se você quiser uma amostra, pode encontrar no YouTube. Brenda e Johnny acabaram desfazendo a parceria e no lugar de Brenda entraram, primeiro Kim Nally e depois Ms Dee (que continua sua amiga e inclusive a visitou e se apresentou com ela na Alemanha).
Brenda nunca foi de sossegar e as buscas paralelas tornaram-se uma característica de sua trajetória. Anthony Paule era o guitarrista da banda Nocturne e formou um pequeno “combo” com Brenda, chamado Home Cookin’ (Cozinha Caseira), misturando dança e hits antigos. “Era a época de relançamento de bons e velhos hits e aí eu realmente entrei nessa e virei fã de rock. O que eu mais curtia eram as primeiras gravações de Elvis e comecei a usar esses clássicos nos meus shows de jazz e blues. Eu interpretava Slippin & Slidin dos Little Richards mais como um blues lento do que rock selvagem”. A banda também tinha, nos teclados, Austin DeLone (que hoje é líder de banda fixo do festival The Porretta Soul) e era muito popular junto à galera rockabilly, em casas como o Lou’s e o Boom Boom Room, de John Lee Hooker. Eles gravaram dois álbuns incríveis pelo selo Blue Dot, Home Cookin’ (1997) e Afrobilly Soul Stew (2000), com Jim Pugh (pianista de Robert Cray por longos anos) na produção e nos teclados.
Em meio a toda essa agitação, Brenda conheceu o guitarrista Eric Swinderman, em São Francisco, e com ele formou uma parceria para tocarem de um jeito mais descontraído. Ela queria ampliar o repertório e Eric a incentivou a começar a escrever suas próprias canções. Juntos gravaram dois álbuns para a Bonnie Bell Productions. O primeiro, intitulado Burbon & Cornbread (1997), que incluía a canção Down Home Sonny, tributo ao seu primeiro mentor, Sonny Lane. Em seguida veio um álbum duplo, Conversations in Time (2001). Sua música começou a crescer ao estilo de Ray Charles e Nina Simone, no sentido de que ela podia escolher músicas de praticamente qualquer gênero e interpretá-las do seu jeito. Como se tudo isso já não bastasse, ela ainda fazia shows de jazz regulares com Danny Caron mais ou menos nesse período. Brenda gravou duas faixas com a famosa estrela da salsa, Rebeca Mauleon, cantou no CD Lowdown to Uptown (Tone Cool Records) do gaitista Mark Hummel (1998) e foi convidada do trombonista de jazz latino Wayne Wallace no CD Echoes in Blue (Patois, 2001).
Foi em 2001 que veio uma mudança importante na carreira de Brenda. Austin DeLone a chamou para acompanhá-lo ao festival Zelt Music, em Freiburg, na Alemanha. A viagem foi muito bem-sucedida e marcante. “Fiquei muito impressionada com os músicos que conheci lá. Eles me convidaram para retornar por uma temporada de três meses, para shows variados”. Então, entre 2004 e 2006 Brenda fez uma meia dúzia de viagens de lá para cá. Após aprender alemão (ainda nos Estados Unidos), acabou se mudando para Wuppertal (Alemanha) em 2004.
Na Alemanha, Brenda conheceu Martin Kratzenstein (pseudônimo Maxim Illion), produtor de NuJazz/latin/funk que se especializou em sampling de velhos hits de jazz e/ou peças para metais e percussão gravadas em computador, para sobrepor novas vozes e bateria ao vivo, produzindo o tipo de som sofisticado que a turma do Continental Club curtia. A explicação pode parecer complicada, mas é mais do que provável que seja ultra-simplificada. Seja como for, os resultados começaram a aparecer no mercado na virada da década pelo selo Chin Chin e cinco CDs de sucesso foram lançados desde então. Foi em 2005 que Brenda foi chamada para fazer parte do pool de cantores, compositores e músicos da gravadora, comercializados sob o título Club des Belugas. E foi mais ou menos nessa época que a música de Maxim Illion ficou conhecida, quando uma de suas músicas favoritas nas pistas de dança, Hip Hip Chin Chin, apresentando Brenda, invadiu o grande mercado. Segundo Brenda, “é um funk com pegada jazz/blues e quando canto, tenho liberdade para criar minha própria letra e improvisar como eu achar melhor”. Até o momento, Brenda cantou nos seguintes CDs do Club Chin Chin: Apricoo Soul (2006), Swop (2008) e Zoo Zizaro (2009).
Ora, a música com certeza não agradará a todos. No entanto, as habilidades inventivas na execução são inegáveis e, aos de visão ampla, os CDs serão no mínimo interessantes. Antes de cair em ceticismo, deve-se levar em conta a repercussão. Os álbuns criados em computador tornaram-se populares e, como resultado disso, Maxim passou a ser chamado para shows ao vivo. Assim, em 2007 um time de músicos foi formado, treinado na técnica e uma orquestra de jazz funk com dez músicos, tendo Brenda como vocalista principal, começou a fazer shows ao vivo. No primeiro ano a banda apresentou cerca de 100 espetáculos e isso foi aumentando ano após ano. Em 2007 o Club des Belugas foi convidado a se apresentar nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 e, assim, o ensemble iniciou uma extensa turnê pela China já em 2007 – infelizmente sem Brenda – coincidindo com a celebração da Olimpíada. Um CD duplo ao vivo (com Brenda) está pronto para lançamento em maio de 2010. Entretanto, para quem não aguenta esperar e quiser conferir os músicos e o som, é só ir ao computador, entrar no YouTube e buscar em “Club des Belugas”, para ver a versão ao vivo de Love is in Town (em especial a versão gravada para a TV grega), e todas as dúvidas certamente serão dissipadas. O sucesso do Club des Belugas – além do talento e da personalidade da principal vocalista – obrigaram Maxim a gravar um álbum completo com Brenda, o que resultou no exótico Chocolate & Chilli em 2008, que se tornou sua estreia solo pelo selo Chin Chin.
Enquanto tudo isso acontecia no estúdio de Maxim Illion, Brenda não estava de pernas para o ar em casa, já que, assim como antes, eram muitas as atividades paralelas. Durante algum tempo, Brenda se juntou com o quarteto Ulrich Rasch e em 2004 uma apresentação no Teatro Rex de Wuppertal amanheceu em forma de CD em edição limitada. As músicas eram hits conhecidos como Next Time You See Me e Money, entre outros, mas com arranjos e interpretações de jazz progressivo. Foi este o álbum que chegou aos ouvidos de Gerard ‘Shakedown’ Homan, que foi quem acabou levando Brenda pela primeira vez à Grã Bretanha.
De natureza inquieta, nesse mesmo período Brenda trabalhou como solista com o guitarrista Jens Filser de um jeito muito parecido como fez na Califórnia com Eric Swinderman. A versão que criaram para Jole Blon, novamente no Teatro Rex (se não me engano), também pode ser encontrada no YouTube. Em 2007 Filser gravou um CD que acabou sendo premiado e do qual Brenda também participa. Ela trabalhou ainda com a Orquestra Filarmônica de Jazz Alemã e juntos gravaram um CD tendo como tema Ella Fitzgerald. Apesar de tamanha diversidade, Brenda continuou a cantar blues de raiz com vários grupos liderados por guitarristas. Há vários clipes disponíveis no YouTube e em um deles ela pode ser vista em dueto com sua velha amiga da baía de São Francisco, Ms Dee, que foi visitá-la na Alemanha.
Então, o que será que Brenda vai fazer agora? A julgar por aquilo que já realizou, seria arriscado fazer uma previsão. Mas uma coisa é certa: vendo sua performance em Shakedown, trata-se de uma artista de talento imenso, que com certeza pode ir para onde quiser. E, como costuma dizer aos músicos que a acompanham, quando se preparam para um show: “A regra de ouro é: acompanhem a Brenda”. Amém para isso!